A REVERÊNCIA NO AIKIDO

Venha fazer uma aula experimental,será muito bem vindo....

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A reverência é parte integral da etiqueta Oriental substituindo o aperto de mão das sociedades Ocidentais em quase todas as situações passíveis de comparação

                 A reverência é parte integral da etiqueta Oriental substituindo o aperto de mão das sociedades Ocidentais em quase todas as situações passíveis de comparação.No Japão, as crianças, tradicionalmente, aprendiam a reverenciar antes mesmo que pudessem ficar de pé. Isso, porque as mães tinham por hábito carregar seus bebês nas costas fazendo com que os bebês, ainda que involuntariamente, reverenciassem todas as vezes que suas mães o faziam.Esta maneira de carregar um bebê não é mais tão usual no Japão de hoje, mas a reverência continua sendo o modo mais usado para se cumprimentar um ao outro.Visto que não moramos no Japão e reverenciar não faz parte da nossa cultura, seria razoável perguntar por que devemos reverenciar quando estamos praticando o aikido na Nova Zelândia? A minha resposta para esta pergunta (resposta que pode estar condicionada por vários anos vividos no Japão) é, primeiramente, que o aikido é uma atividade cultural Japonesa não existindo razão especifica para descaracterizá-la e, segundo, a reverência é uma ótima maneira de demonstrar respeito, tão importante no aikido quanto na vida. Quanto mais praticamos o aikido naturalmente mais respeito sentimos pelos outros, e reverenciar é uma maneira de expressar isso mantendo a estética da arte. No seu aspecto marcial o aikido demanda respeito mútuo entre os companheiros como reconhecimento da natureza de “vida ou morte” das técnicas que estão sendo estudadas, mesmo que praticado dentro do ambiente seguro do dojo. Do ponto de vista mental ou espiritual, naturalmente mantém-se o respeito pelos companhei-ros discípulos do Caminho por seus esforços em realizar todo o potencial como seres humanos. A reverência ajuda criar um ambiente para este trabalho interior. O sentimento ao se reverenciar é importante e não há nada de humilhante ou degradante neste gesto aonde todo nosso corpo e mente estão envolvidos em expressar gratidão e respeito. De fato, treinar um pouquinho de reverência é algo do qual nós Ocidentais poderíamos nos beneficiar.

             No Budō o reigisaho[1] tem uma importância fundamental. Para o praticante ocidental, com tradições culturais diferentes das orientais, as exigências da reverência nas artes marciais japonesas, como o Aikidō,  entre outras, são comportamentos que lhe são estranhos e que por vezes adquirem um caráter tão só de obrigatoriedade. Todavia, "qualquer arte marcial pressupõe a existência de uma severa disciplina na sua execução  e aprendizagem; uma arte oriental não se pode conceber sem etiqueta. Diz-se que a arte marcial japonesa começa e termina pela delicadeza e respeito mútuo, indispensáveis à elevação da personalidade." [2]

             O dōjō [3] deve ser um local onde se desenvolve uma personalidade forte, com qualidades como a humildade, a lealdade, a cortesia, onde o caminho deve ser o de um conhecimento cada vez mais profundo de si mesmo, onde é importante Ter presente o significado da reverência, da cortesia, da etiqueta. Portanto o dōjō é um lugar sagrado onde se procura “unidade do corpo e mente através do coração, centralizar a energia, na sua autêntica compreensão...»[4]. É também, no dizer de Herrigel, "desde os tempos mais remotos: Lugar da Iluminação."[5]

             Podem encontrar-se duas atitudes básicas nos praticantes perante a reverência. Uma consiste na execução da reverência como se de uma mera obrigação se tratasse; a outra na execução da reverência de modo rígido e formal sem que seja acompanhada da consciência profunda do sentido do ritual, sem a consciência de que o dōjō é "Templo privilegiado que celebra uma espécie de liturgia".[6]

             A compreensão da importância do cerimonial é fundamental. A reverência é uma introdução à aula que permitirá ao praticante afastar a mente das preocupações e stress cotidianos, permitindo-lhe a concentração que a prática das artes marciais exige.

             Por outro lado as artes marciais tradicionais desenvolvem, através da sua prática a agressividade de cada indivíduo (não confundir com violência). A reverência evita a degeneração de comportamentos agressivos, impedindo a falta de respeito pelo parceiro de treino.

             Em todas as artes marciais tradicionais, podemos encontrar o reigisaho, concretizado de modo diferente de arte para arte, mas mantendo, quase sempre, o mesmo espírito e função.

             No Ocidente, a aceitação ou rejeição do ritual da reverência, correlaciona-se com a atitude, mais ou menos tradicional que os praticantes têm para com o Budō. Nas escolas tradicionais, havendo um processo mais profundo de aceitação da cultura oriental, a forma de estar destes adeptos, dentro e fora do dōjō, na prática marcial e na vida, traduz, em regra uma maior compreensão da etiqueta tradicional.

             Tradicionalmente, no Budō a etiqueta deve ser uma constante da vida. Os gestos devem ser belos, precisos, lentos, mesmo os mais cotidianos, como sentar, ou levantar, caminhar, ou dar algo a alguém. Pois "Cada gesto era para ser executado de modo que ele permita, na  seqüência de uma cisão seguindo o ataque surpresa, a partir da resposta eficaz." [7]

             É entendido, tradicionalmente, que a forma de revenciar, só por si, revela o nível de compreensão da arte.

             A função psicológica da prática marcial é influenciada pela reverência. A forma de o fazer poderá dar-nos indicações sobre a personalidade de um praticante, se ele é tímido, agressivo, reservado, etc..

             A reverência interfere não só com as funções psicológicas, mas também com as funções fisiológicas.

             A reverência, é considerada num plano prático, é uma tomada de consciência do corpo e do controle respiratório através de um movimento bem simples. E isto é tão verdade, que a estabilidade e segurança de um mestre, na reverência, são evidentes. De tal modo que o contrário também é verdadeiro. O valor marcial de um indivíduo revela-se na reverência. Não é acreditável que alguém que não consiga manter-se sentado de modo estável para saudar, consiga executar com eficiência um outro movimento. Os verdadeiros Mestres saúdam profundamente, de forma majestosa, porque toda sua experiência, seu conhecimento, sua humildade estão presentes em sua reverência.[8]

             O controle da respiração pode ser exemplificado com a reverência em pé, com os pés em musubi:

             Os calcanhares devem estar unidos, a frente dos pés afastados cerca de 45.º, pernas direitas, coluna vertebral ereta, ombros naturalmente colocados na sua posição anatômica, mãos abertas e dedos esticados, colocadas lateralmente nas coxas. No instante anterior ao da reverência inspira-se. Quando o tronco faz uma certa flexão em frente, expira-se. No momento em que o tronco retorna à vertical inspira-se novamente, podendo a expiração seguinte servir para a execução imediata de uma técnica, seja de ataque ou de defesa. A descrição respiratória é válida para  a reverência feita a partir da posição de sentado – seiza.

             Num dōjō podem encontrar-se vários tipos de reverências.

             A prática marcial começa com uma reverência interna, a reverência a si mesmo, dirigida ao íntimo de cada um, com a qual se pretende alcançar o Mestre Interno [9].

             Ao entrar no local de prática há uma primeira reverência exterior, aquela que é feita ao dōjō, com a qual se demonstra respeito ao lugar da prática.

             Com o início da aula todos os praticantes executam, ao mesmo tempo, uma reverência à tradição passiva. Esta reverência feita em direção ao kamiza, «local dos deuses», onde simbolicamente a tradição passiva se condensa, é o kamiza ni rei, ou shomen ni rei. Representa o respeito pelos mestres que nos antecederam, pela cadeia de transmissão do saber. Exprime o respeito pelas gerações anteriores, que nos legaram a arte com sofrimento e por vezes com o custo da própria vida. É não só uma humilde e sincera homenagem à tradição passiva, mas também uma forma de inspiração no seu exemplo.

             Segue-se a reverência à tradição ativa. O Mestre volta as costas ao kamiza e é saudado – é o sensei ni rei. Traduz o respeito devido ao Mestre, como representante, através da atividade de ensino e de aprendizagem do Budō, da tradição ativa.

             Se estiverem perante a classe vários mestres há, neste momento, lugar ao yudansha ni rei, a reverência entre os mestres.

             Segue-se, durante toda a prática, no início de cada exercício, de cada técnica, de cada combate, a reverência ao companheiro, o otogai ni rei. Representa o respeito profundo pela integridade física e psicológica do outro. Significa que, através o nosso esforço e empenho na prática, lhe vamos proporcionar a possibilidade de progredir.

             No fim de cada aula repete-se o percurso acima referido, com pequenas alterações na ordem das saudações.

             Algumas escolas tradicionais, ainda cultivam o sempai ni rei, reverência entre os alunos mais adiantados e os mais novos – o Mestre já não faz a reverência. Representa o respeito que é devido pelos mais novos aos anciãos – sempai.

             Durante a reverência, o estado de alerta, zanshin, e de antecipação deve ser permanente para evitar um ataque de surpresa. Este estado tem a ver com a percepção paranormal desenvolvida pelas artes marciais tradicionais, pelo maior ou menor potencial de ki do praticante. Mas neste trabalho não desenvolveremos estes temas, pois são questões que agora não nos ocuparão.

             Deve ter-se presente que as noções de sensei, sempai, ou principiante são relativas. Como regra deve reter-se que um praticante novo deve inclinar-se profundamente, ao que o sensei responderá com uma ligeira inclinação. Assim numa aula um shodan pode ser sensei e na aula seguinte, ministrada por um 5.º dan, em que todos os outros alunos têm graduações entre 2.º e 4.º dan, não passa e um principiante.

             A maneira de efetuar a reverência tem vários entendimentos: um marcial, outro energético e outro simbólico.

             Ilustremos o que se afirma com  reverência praticada em seiza. A primeira mão a ser colocada no solo em frente do corpo é a mão esquerda. No plano marcial, em caso de ataque do adversário, a mão direita pode desembainhar uma arma ou executar um movimento defensivo, se não houver armas. Se baixasse as duas mãos ao mesmo tempo isso não aconteceria.

             No plano energético, a mão esquerda está associada à energia negativa (ura) e a mão direita à energia positiva (omote).              Aquela tem um efeito destrutivo, esta tem um efeito construtivo.

             O descer da mão esquerda à terra é um gesto simbólico da recusa de fazer mal, em relação àquele que é saudado. Em simultâneo, o contacto da mão com o chão neutraliza a potencialidade energética desta mão destruidora.

             Com a colocação das duas mãos no chão, estas formam um triângulo eqüilátero.

             No plano marcial a finalidade é a de evitar um ferimento grave no nariz. Em caso de ataque à cabeça por parte de um adversário, o nariz está protegido e não será esmagado no chão.

             A nível energético permite a circulação de energia em circuito fechado, possibilitando a concentração mental.

             Este gesto simboliza a reunião de três lados: o homem, o céu e a terra. Também simboliza a junção entre  tradição passiva e a tradição ativa, em que o Mestre desempenha um papel fundamental: é ele que transmite o conhecimento que já anteriormente lhe tinha sido transmitido. É um circuito de transmissão do conhecimento.

             O triângulo simboliza também a capacidade de defender, assim como também a de atacar.

             A consciência do elevado valor energético e marcial da etiqueta e da cortesia deve estar sempre presente naqueles que seguem o Budō.

 

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 [1] A etiqueta e a cortesia.

 [3] O local de estudo da via, do caminho.

 [4] Vide pg. 14, DELORME, Pierre, Dōjō. Le temple du sabre. Éditions Budostore, col. La Budothèque, 1994: Paris, pgs. 248.

 [5] Vide pg. 81, ZEN e a arte do tiro com arco, Ed. Assírio & Alvim, col. sete estrelo, Março de 1997: Lisboa, pgs. 85.

 [6] Vide pg. 11, DURIX, Claude, apud DELORME, Pierre, op. cit.

 [7] - Vide p. 57, HABERSETZER, Roland, Le guide Marabout du Karaté, col. bibliotheque marabout service, éditions Gerárd & C.ª, 1969: Verviers (Belgique), pgs. 415.  

 [8] Vide pg. 198, Jazarin, El Espíritu del JUDO. Charlas com mi maestro. Ed. Eyras, col. cinturon negro, 1996: Madrid, pgs. 256. 

 [9] A prática implica sempre uma orientação segura, ministrada por um sensei, palavra pode ser entendida como «aquele que indica luz». Ora há sempre na relação Mestre-Discípulo uma transmissão para a luz. Contudo a relação com o Mestre possibilita que, cada um, no seu caminho, se projecte sobre si próprio descobrindo no seu interior o seu próprio mestre - o Eu. Ou seja «cada um tem em si o seu Mestre, cada um é guru de si próprio».